Os ossos do ofício entre o céu, terra e mar
O escritor maranhense Gilmar Pereira Santos vem batendo, literalmente,, na mesma tecla da sua já interessante bibliografia, agora dando a lume o seu mais recente título de literatura infanto- juvenil, que achou por bem ser Princesa do Mar, logo se observa- do que tem tudo a ver com o peixe de uma trilogia iniciada com Nas Terras de Bom-que-dói, Os Vaga-Lumes Coloridos na Noite de Natal e O Menino que Sonhava. Bater na mesma tecla, cá, entre nós, é só força de expressão, em se tratando de ponto, ou assunto, pois o autor, se possui quanto um alvo a ser atingido, digamos, na mosca, quase acerta em cheio e parece-nos que descobriu aí um filão inesgotável para a sua produção de animais terrestres e aquáticos, preservação da natureza,. pescadores, marinhos, entes sobrenaturais, e a garotada protagonizando os fios em que vai tecendo sua urdidura.
Num entrecho de A Grande Onda, por exemplo, vamos achar, incontinenti, essa maneira de expressão literária: “Outra colônia de pescadores, o nome do lugar era engraçado, Colônia Mar Azul. Seus habitantes tinham prazer em ser chamados de azulinhos. Naquela área marítima, o mar era tão azul, mais que qualquer outra na região, daí o nome. Como combinado, até o céu ali era mais azul. Coisas da natureza… Dico, Rafinha, Pablito e Nininha eram crianças daquela vila de pescadores mais hábeis nadadoras do que as demais. Estavam acostumadas a enfrentar as grandes ondas daquela praia que eram as maiores do litoral tão azul.”
Gilmar deixa transparecer a sua pressa de pôr os infantis para figurarem na exaltação do seu enredo, enquanto conduz, num relevo especial, os acidentes geográficos, costumes e até crendices dos lugares focalizados. Observamos essa sua peculiaridade em Os Anjos Inocentes, com um certo ar do que só se pode conhecer pela fé, em função de tratar dos seres espirituais que transmitem a mensagem de Deus aos homens: “Dessa vez, as crianças da história são quatro: Rubenita, Luisinho, Huguinho e Laíta; e quando encontraram os dois bebês abandonados a bordo de um barco de brinquedo, decidiram guardar segredo sobre a descoberta. O barco estava encalhado na areia da praia próximo do porto onde brincavam. Viviam naquele povoado de nome Vendaval. No lugar era comum ter ventos fortes, quase tufão, daí o nome. Nunca tinham visto bebês tão bonitos quanto aqueles. Eram os mais belos do Mundo. Sua beleza era impressionante! Incomum!”
Ele já dizia mesmo a que veio, com esta obra, no começo, com O Objeto que Caiu do Céu. Senão, vejamos: “Naquela tarde, um grupo de meninos brincava alegremente na praia, em volta do objeto que caíra do céu na semana passada. Desde então, aquele lugar fora escolhido para as suas brincadeiras, para assim, no final do dia, muitas crianças se dirigiriam para o local curioso.”
Podemos dizer que há a intenção de um cenário similar em Uma Cidade Encantada em que inicia com: “Logo mais adiante, outro grupo de meninos construía castelos na areia da praia. Havia um monte de castelos espalhados em uma determinada área. O local fora cercado para que suas esculturas fossem preservadas (…)”
A Baleia Encalhada, A Sereia Ferida, Os Náufragos, A Sucuri e Os Lagartos, O Navio Pirata, O Tritão Moribundo seguem baseados numa contextura em que flagramos algo de hipérbole, sendo exagero intencional com a finalidade de intensificar expressividade e assim impressionar o leitor, ou o ouvinte, sem olvidamos que trazem características de uma estória para ser contada pelos maiores aos seus menores de idade, no ponto de um auditório atento. Talvez o escritor repassou para as suas criações, as lembranças de filmes de capa e espada e aventura na selva da sua própria meninice, sem descartamos a hipótese de que sua cidade natal, na Região dos Lagos Maranhenses, sugere uma boa ambientação para a proposição que seu filho ilustre aprecia desenvolver, além dos causos, e contos de carochinha que povoaram o imaginário das gerações.
De qualquer modo, há uma pedra no caminho do ficcionista, e não é da lavra do poeta maior Carlos Drummond de Andrade. Com a vista mais aguçada, em mais de 30 anos no ofício de revisor literário, calejado de concisão, mesmo na linguagem figurada, com seus sentidos, conhecemos um tanto dos caminhos das pedras, onde toda a clareza é pouca, pois de vital importância para oferecer ao trabalho uma leitura mais acessível ao público, em diálogos ou construções, que não nos deixam dormir no ponto de que há uma sintaxe, com suas regências e concordâncias, que carecem de ser colocadas com a habilidade de um pedreiro exímio, a fim de que não seja comprometida toda a argamassa do edifício.
Em outras palavras, não é mesmo fácil centrar uma trama para girar em torno de infantes e adolescentes, na acepção de que eles serão o receptor principal, e lidar com a língua coloquial, podendo ela, aqui e ali, ser uma faca de dois gumes. Aqui, entretanto, destacamos um fundo moral imposto pelo criador do livro, lembrando até certo ponto o famoso fabulista grego Esopo.
Este Princesa do Mar revela que Gilmar Pereira Santos tem muito chão ainda pela frente para trilhar, neste caminho, igualmente, áspero da literatura, que foi encontrar nos mestres Monteiro Lobato (paulista, autor de Reinações de Narizinho, Caçadas de Pedrinho, etc.) e Viriato Corrêa (maranhense, com História do Brasil Para Crianças, Cazuza, etc.) o apogeu, na parte que nos toca neste lado das Américas.
Sem sombra de dúvida, tem cabedal para melhorar nesta temática, indo aos poucos, com constância verbal, removendo o excesso, ou escassez, de os ossos do ofício entre o céu, terra e mar, com que ele vem balizando sua já interessante bibliografia. Se atentar mais, qual está no caminho certo, seu futuro literário será mais promissor.